O consumidor cada vez mais digital. E o que isso importa para as Marcas?

Acessamos nossos smartphones em média 34 vezes ao dia. Conferimos seu conteúdo diariamente no máximo quinze minutos após acordarmos. Um terço dos norte-americanos declaram preferir ficar sem fazer sexo a perder seu telefone. O consumidor está praticamente atado ao seu smartphone.

Não há dúvidas de que estamos cada vez mais conectados: praticamente toda a nossa rotina cotidiana está amarrada aos nossos smartphones. E não apenas para acessar aplicativos que facilitam nossa vida, ou para nos conectarmos uns aos outros através das redes sociais: a compra de serviços e produtos se dá cada vez mais digitalmente.

O consumidor digital

O comércio digital B2C vem crescendo consistentemente nos últimos anos, e praticamente explodiu em virtude da pandemia da COVID19. Confinados, o e-commerce surge como uma alternativa segura e viável para a realização de compras. Isso ocorreu em todo o mundo, incluindo, claro, o Brasil. Por aqui, algumas categorias de produtos apresentaram crescimento de mais de 30% em sua venda por e-commerce já nos primeiros 15 dias das medidas restritivas à circulação e aglomeração de pessoas, incluindo o fechamento quase total do comércio de lojas físicas.

Vendas Varejo Comércio Eletrônico Brasil de 2017 a 2020. Fonte: Statista

Mas o que isso importa para as Marcas? Muito. As estratégias para a construção e/ou consolidação de Marcas fortes no meio digital tem algumas peculiaridades, e traz desafios importantes.

A despeito destes desafios serem similares, é preciso distinguir entre (1) Marcas que nasceram e só existem no meio digital (p.e. Google), (2) Marcas que nasceram no meio digital e também têm presença no meio físico (p.e. Amazon), e (3) Marcas que surgiram no meio físico e migraram para o meio digital (p.e. Magazine Luiza). 

Estes desafios, com suas peculiaridades dependendo das características das Marcas, devem ter um propósito final único: o engajamento do consumidor.

O comércio eletrônico e o rastreamento do consumidor

Um erro estratégico comum que percebo no relacionamento com empreendedores e dirigentes de empresas, em especial nas Marcas que já nasceram digitais, é acreditar que seu produto, normalmente com algum grau de inovação, é tão bom, mas tão bom, que irá consolidar-se e virar um sucesso de mercado muito rapidamente. A má notícia é que, a despeito de algumas honrosas exceções, isto é uma falácia.

Os mecanismos de rastreamento trazem para o comércio digital um volume de informações sobre o consumidor em níveis sem precedentes, quando comparados ao comércio físico. Estes mecanismos, além de serem cada dia mais sofisticados (através, por exemplo, da Inteligência Artificial e Big Data), permitem  não apenas a rastreabilidade, como também a adoção de modelos preditivos do comportamento do consumidor. E isto é fantástico.

A questão é que (e aí está o pulo do gato), em maior ou menor grau, todos os competidores de sua Marca têm acesso às mesmíssimas ferramentas que você, e certamente as adotarão, de forma mais ou menos competente. Simples, né? Nesta hora, o que fará a diferença?

Prepare-se para uma revelação: o consumidor digital somos nós mesmos! 

Não é porque estamos no meio digital que deixamos de ser humanos. E, humanos, somos seres complexos e plenos de emoções, crenças e valores. Carregamos para o meio digital toda essa carga subjetiva ao fazermos as nossas escolhas na compra de qualquer produto ou serviço, dos mais simples aos mais complexos. Sim, pois hoje se vende de papel higiênico a carros e imóveis pela internet.

Naturalmente consideramos que os consumidores digitais são uma espécie única, distinta da raça humana, e que são 100% racionais. O erro é presumir, quando tratamos do meio digital, que a solução para o sucesso está na adoção das corretas ferramentas de ranqueamento, palavras-chave em mecanismos de busca, remarketig, etc.. A adoção e gestão adequada destas ferramentas é o que chamamos, em estratégia competitiva, de “Competências Essenciais”. Em outras palavras, se você não as possuir você sequer entra no jogo de forma relevante. Qualquer competidor deve tê-las e adotá-las. O saída está nas “Competências Distintivas”, aquelas que minha Marca possui e que a distingue de todas as outras.

Uma das competências distintivas mais valiosas diz respeito à reputação e imagem de Marca perante seus consumidores e público em geral, e sua relevância é maior quanto mais competitivo for seu setor de atuação.

De um modo geral, as Marcas que nasceram no meio digital possuem muito mais dificuldade em se estabelecer no meio físico do que aquelas que percorreram o caminho inverso (nasceram no universo físico e migraram para o digital). E esta constatação é emblemática, pois as evidências apontam que uma Marca forte construída no meio físico consegue carregar sua reputação e imagem em sua migração para o meio digital. Já as Marcas nascidas digitalmente, ainda que sejam um sucesso em termos de performance comercial, não migram seu conceito assim tão naturalmente para o meio físico. Há várias explicações para isso, com destaque para a questão da relação com o target (ou público-alvo).

Explico: uma das premissas do marketing digital é a de que, pelos rastros que deixamos em nosso tráfego por sites, blogs, mecanismos de buscas, e principalmente redes sociais, as Marcas podem ter uma comunicação muito mais dirigida aos seus potenciais consumidores. Seja numa campanha de vendas, comparativo de preços ou mensagem institucional, em tese as Marcas têm uma maior assertividade para levar sua mensagem a um público potencialmente mais aderente (em tese) ao seu produto. Isso pode parecer uma enorme vantagem, se comparada por exemplo com uma mensagem veiculada pela TV aberta, na qual existe uma enorme dispersão, pois a mensagem irá chegar um grande número de pessoas que, em tese, não representam o público-alvo da Marca.

O problema desta estratégia digital é que, se por um lado temos uma maior assertividade na entrega da mensagem, por outro estamos sempre conversando com o mesmo público, não expandindo o conhecimento da Marca para o público em geral (ainda que isso leve a alguma dispersão). Assim, as Marcas nascidas digitalmente, via de regra, simplesmente não adotaram a estratégia “tradicional” de construção e posicionamento de Marca, por considerarem desnecessário este investimento.

Enfim, a busca é pela relevância. Marcas podem desempenhar um papel mais presente na vida das pessoas: em sua mente para serem lembradas, e em seus corações para serem amadas. E no meio digital isso não é diferente.

#marcaganhajogo

Referências:

Hooked , Nir Eyal e Ryan Hoover, 2014, Portfolio Penguin

Vendas no comércio eletrônico crescem 37% até 16 de março , Jornal Valor, 19/03/20