O cinema tem muito a ver com as Marcas. Afinal, em sua comunicação, as Marcas utilizam-se do conceito de storytelling, e assim o cinema torna-se uma grande fonte de inspiração. Campanhas publicitárias que conseguem explorar de maneira criativa esta técnica são aquelas que costumam encantar e persuadir com mais eficácia sua audiência. As Marcas de cerveja sabem muito bem disso.

Sou apaixonado por cinema, e dos um mais geniais filmes de Woody Allen é, para mim, ZELIG (1983). Filmado num formato de documentário, esta comédia retrata a história de um fictício Leonard Zelig, ambientada na década de 1920. Um personagem que, interpretado pelo próprio Allen, é peculiar por uma razão: assume as características físicas de seus interlocutores após poucos minutos de conversa. Assim, se ele está em contato com um chinês, seu rosto ganha feições orientais; se conversa com um negro, sua pele e suas características físicas se modificam e se aproximam do biótipo daquele. O mesmo vai ocorrendo se seu contato pessoal é com um índio, um caucasiano, um obeso, e assim sucessivamente. O trailer oficial você confere aqui (https://www.youtube.com/watch?v=NCqjCQdYgRk).

No filme, quando descoberta essa característica de seu personagem principal, é desencadeada uma série de investigações científicas na tentativa de explicar o fenômeno. Os inúmeros imbróglios decorrentes de uma trama tão bizarra são hilariantes, uma vez que as múltiplas personalidades assumidas por Zelig (que nunca se lembra do que ocorreu quando assumiu a identidade de um cantor de jazz ou quando se integrou numa tribo de índios no meio oeste americano) são independentes, e muitas vezes desprovidas de caráter. Não por acaso, sua história vai para as primeiras páginas dos jornais, e Zelig passa a ser reconhecido como o “Homem Camaleão”.
Na trama, após realizada uma série de exames, chega-se a um diagnóstico de que a origem daquela característica de Zelig – a essa altura já considerada uma doença – é de fato um distúrbio psíquico. Uma psiquiatra assume o caso e, utilizando-se de práticas pouco ortodoxas (que incluem a hipnose), procura a origem daquele mal que assola o paciente. Ela está angustiada com o sofrimento de Zelig, uma vez que, na medida em que ele assume múltiplas identidades, possui um enorme vazio interior, não sabendo exatamente quem é. E essa passagem do filme é para mim emblemática.
Numa das sessões de hipnose, a psiquiatra faz uma regressão, e pergunta a Zelig a origem daquele comportamento: ele responde dizendo que tudo começou na escola, quando, num grupo de estudantes, ele era o único a nunca ter lido “Moby Dick”. A partir daí ele mentiu, e começou a discorrer sobre o livro como se o tivesse lido, sem assumir a vergonha. Nesse momento, a doutora (interpretada por Mia Farrow) lhe pergunta porque ele fez aquilo, e porque ele se transforma fisicamente em alguém parecido com seu interlocutor, ao que ele responde: é por segurança.
Para Zelig, o motivador para se transformar fisicamente em algo semelhante às pessoas com as quais interage é simplesmente ser aceito, e com isso estar seguro que todos gostam dele.
O efeito Zelig e as Marcas
Esse “efeito Zelig” tem assolado de maneira muito intensa empresas e Marcas. Em busca da segurança – a sempre almejada e querida segurança – as empresas têm ousado cada vez menos, e assumido as características de seus concorrentes sob a égide das “melhores práticas”. Assim, ao invés de buscarem trilhar um caminho próprio, diferenciado, optam meramente por seguir o que vem dando certo para os outros. A consequência: o fenômeno camaleão, no qual as empresas e marcas de um determinado segmento acabam se tornando muito iguais aos olhos de seu público consumidor, e nada de muito novo ou diferenciado é perseguido. Talvez por isso temos a sensação de que empresas de um setor inteiro são iguais, não oferecendo nada de distintivo (em Administração, esse fenômeno é chamado de “Isomorfismo Mimético”).

O marketing, em especial as práticas de comunicação, é o que mais sofre com esse racionalismo exacerbado, e essa aversão ao risco em prol da segurança: numa disciplina que tem a criatividade como matéria-prima, há espaço para muito mais ousadia. Enquanto estivermos perseguindo os ROI (retorno sobre investimento, da sigla em inglês), o resultado pelas métricas de curto prazo, as respostas imediatas às ações de comunicação, teremos cada vez menos cases distintivos. Aparecerão cada vez menos as grandes e diferenciadas Marcas construídas.
Você deve estar se perguntando, se chegou até aqui, o que tudo isso tem a ver com a cerveja constante do título deste post. Tem a ver que o mercado de cerveja no Brasil possui entre seus representantes, tradicionalmente, grandes anunciantes. Inúmeras Marcas foram construídas neste segmento, de maneira fortemente embasadas em campanhas de mídia de massa, muitas delas memoráveis. A questão é que o mercado de cerveja, em nível mundial, passou por uma grande transformação nos últimos anos, e por dois fatores principais que estão intimamente relacionados: um, que o consumo de cerveja entre o público mais jovem caiu drasticamente. Este público passou a preferir e a consumir outros estilos de bebidas, especialmente as destiladas. O outro fator foi o surgimento das cervejas artesanais, que fizeram migrar o consumo para produtos mais sofisticados, via de regra de melhor qualidade, e abrindo espaço para diferentes estilos. Com isso, houve uma proliferação de micro cervejarias, e estas ameaçaram as grandes empresas do setor. Estima-se que no mercado norte-americano as cervejas especiais já representem algo em torno de 20% das vendas.
Assim como o mercado mudou, também a comunicação das Marcas de cerveja precisou mudar e se adaptar. Ainda que mostrar corpos seminus na praia e muita gente jovem reunida tenha funcionado durante décadas, parece que estes apelos não funcionam mais tão bem. Os jovens buscam mais atitude das Marcas, e procuram enxergar nelas mais de sua identidade.
Tivemos a oportunidade de desenvolver, na Agencia PRO http://www.agenciapro.com.br, um trabalho de reposicionamento de uma cervejaria: a Therezópolis http://www.cervejatherezopolis.com.br. A empresa é uma cervejaria de porte médio, produzindo cervejas especiais de estilos clássicos, e uma Marca tradicional, existindo desde 1912.

Apesar da ousadia de possuir vários estilos, e de lançar cervejas sazonais frequentemente, em nossas pesquisas identificamos um envelhecimento da marca, não compatível com a nova realidade do mercado de cervejas especiais, que precisava se comunicar mais efetivamente com as gerações mais novas. Contarei esse caso mais detalhadamente num post futuro, mas aqui você pode conferir o comercial que marcou o lançamento da campanha de reposicionamento da Marca:
Enfim, a comunicação e as práticas de construção de marcas, se conduzidas de modo profissional e responsável, podem representar um ótimo remédio contra o “efeito Zelig” (com a vantagem de não requererem hipnose). Basta ter uma alta dose de criatividade – e coragem.